18 de dezembro de 2008

Momentos


Sempre acreditei que são os pequenos momentos que fazem e definem as pessoas.
Vivemos com a certeza da nossa morte e a incerteza da nossa vida. Temos a noção que a maior parte dos dias passam sem sentido, maior ou menor, passam porque o sol nasce e depois se poê, nós como ele, não sabemos fazer outra coisa.
Os casais discutem até ao ódio. Oblívios a todos os pequenos pormenores que desgastam qualquer harmonia, pequenos demais para serem falados, como a pasta de dentes espremida no sítio errado ou o gel de banho aberto na banheira. Esquecidos do pavor de estarem sós, saciados da fome que em tempos os esganou, deixam passar esses pequenos nadas que o tempo torna tudo.
Os solteiros perdem um olhar, um riso, aquela pequena fracção de segundo que lhes podia ter mudado a vida e o próprio ser por receio, vergonha ou imposições sociais. E o momento passa. A incomodidade dos outros tende a ter efeito directo na nossa, ainda que por vias travessas. A harmonia social, familiar ou de um local de trabalho, já de si tenuamente equilibrada, pode-se desmoronar como um castelo de cartas à mais leve brisa. Como tal não se arrisca o momento em detrimento de um futuro.
Os grandes gestos e épicos momentos são produto da altura e do local, quase nunca da pessoa.
Os do individuo são bem mais dificeis, menores em tamanho mas muito maiores em esforço e valor. Um convite para jantar pode ser muito mais complicado do que tirar uma criança de um prédio em chamas. O risco é menos duradouro.
"A vida é o que nos acontece enquanto estamos ocupados a fazer planos." Não me recordo quem estou a citar mas não podia concordar mais com ele.

12 de dezembro de 2008

Caixa de Pandora




Não sei porquê, até sei mas não digo, hoje lembrei-me do Fernando Pessoa, e a primeira coisa que me veio à cabeça (segunda que a primeira foi a cirrose) foi como seria bom estar horas numa esplanada a escrever.
Existe algo de tranquilizante numa caneta a desenhar simbolos que são gritos ou caricias, na folha vazia que se vai enchendo de experiências, cheiros e sensações. Uma catarse inconsciente.
Esquecer a vida e inventar mil novas, deixar a dor escorrer para lindas folhas grossas que absorvem a sujidade da alma, deixar fluir na tinta o que a complexidade das mil pessoas que sou não deixa transparecer na simplicidade da uma pessoa que posso ser, dar vida aos sonhos e ar aos pesadelos.
Talvez por isso algumas pessoas nunca se encontrem verdadeiramente, por serem mais e não saberem ser menos.
Ocupar a solidão do individuo não é fácil mas, quando este engloba uma multitude de realidades, tantas quantos os diferentes pontos de vista permitem, quando há mil frases para serem ditas, mil ideias que não convergem (nem podem converger porque não pertencem ao mesmo) , então este isolamento do ser é extrapolado ao seu expoente máximo.
O que resulta disto é a máscara de uma figura plana, moldada pelo peso dos seres que o individuo tem de carregar e não consegue. Uma máscara de ferro que não pode ser tirada sob pena de expor o que atrás existe, o "eu", o "ser" que não pode ser, a hidra humana com ideias em vez de cabeças.
A caixa de pandora que não deve ser aberta.