
O acto de ajudar alguém devia ter como objectivo a pessoa a ser ajudada e não o facilitador da ajuda, ou seja, o acto devia ser fim em si mesmo.
Imaginemos alguém sem capacidade financeira para se alimentar, a si e aos seus, imaginemos a desesperante frustração de não o poder fazer, imaginemos agora a evisceração do orgulho em ter de aceitar, muitas vezes até pedir, algo tão básico como um pão. Horrendo não?
Seguindo o exercício, vamos supor que a caridosa alma que estende a sua mao o faz publicamente, como sempre o faz senão não era vista, que nos pergunta quatro vezes se estámos contentes, se vai dar jeito, se não é uma boa ajuda, etc.
Quem recebe tem de agradecer, baixar os olhos, pedir desculpa por estar vivo e agradecer o facto de haver alguém tão superior em moral e bondade que até lhe ofereceu um pão ou outro objecto que possivelmente teria o lixo como destino de outra forma. Já não é mau que chegue não ter o que comer ou o que vestir? Ainda é necessária esta humilhação?
Infelizmente quando alguém estende a mão é para ver o próprio braço. As pessoas quando ofereçem ajuda, fazem-no para se sentirem bem com elas próprias, para mostrarem aos seus pares sociais os seus excelentes corações. Passarem por cima da réstia de humanidade, orgulho e auto-estima, de quem já tem pouca para aguentar um espelho, nem lhes passa pela cabeça.
Já nem falo dos abutres sensacionalistas de alguns programas matutinos de televisão que exploram a miséria dos outros por audiências, reduzem a condição humana de quem pouca escolha tem além de se sujeitar à humilhação pública para sobreviver com alguma capacidade de recursos básicos. Esses abutres ainda são idolatrados pelo povinho que nem sequer tenta imaginar o que será ir a uma televisão nacional em directo e fazer de animal de circo para regozijo de um "coliseu" nacional a clamar entretenimento. Só para poder comer!
A ajuda não é para ser vista nem agradecida. Se o for perde a sua nobreza por completo.
Será que ninguém pensa na indignidade sentida por quem precisa de ajuda em coisas tão básicas que têm de lhes ser devidas pelo mero facto de existirem? De serem Humanos? Fugimos assim tanto dos básicos princípios humanos e ousámos usar o sofrimento como som de fundo para o pequeno-almoço? Ficámos tão absorvidos na mesquinhez das nossas vidinhas básicas que já utilizámos a desgraça alheia como escadaria para uma falsa ascensão moral. Como podemos ser humanos quando ignorámos o que nos humaniza?
Nada mudou desde César. Entretenham o povo. Hajam jogos...
Salazar tinha os três F's, Fado, Futebol e Fátima, trocámos o fado pela TVI mas o conceito mantem-se.
Minha gente, precisar de uma esmola já é mau que chegue, ter de a agradecer publicamente para elevar o ego de alguém é desumano.
Abençoado com a maldição de pensar não consigo deixar de me sentir enojado com isto, envergonhado pela espécie a que pertenço.
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