12 de outubro de 2010

Na Noite Terrível

Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.

Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.

Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver ...

Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro —
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.

O que falhei deveras não tem sperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos,

Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p'ra mim.

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

3 de janeiro de 2010

Happy New Year

Num tempo de crescentes formas de comunicação, redes sociais, blog's, hi-5's, telefones, o que dizer quando ao fim de 28 anos não se consegue vislumbrar qualquer vestígio de se ter existido para o mundo? Quando as datas passam imperceptíveis a todos e se impõe a realidade de que, se não totalmente transparentes, memoráveis não fomos de certeza, nem tão pouco recordados, o que pode ser dito? Virar a página? Escrever um novo livro? Começar de novo...? Como? Com quem?
O tempo prova-se escasso para as relações sociais que já existem, estando estas precariamente equilibradas por falta de manutenção. Quem, nestas condições sociais adversas dispõe de tempo e/ou vontade para criar novas, ainda mais quando estas se podem provar exigentes e desgastantes?
O tempo perdoa pouco, as pessoas ainda menos.
O isolamento do indíviduo que está só tende a crescer exponencialmente com cada dia que passa. A consciência disso leva ao desespero pessoal que serve de desculpa a todos que já esqueceram o medo que em tempos sentiram de estarem sós.
Como melhorar algo que não existe?
Tenho saudades de ser...
Fui?
Não sei.
Gostaria de ser.
Um novo ser, quem não fui, quem não soube ser.

19 de dezembro de 2009

Leitor

Coisa mais estranha passar os olhos por este textos escritos à tão pouco tempo.
Quem é este ser que escreve por mim, pensa por mim, assume por mim tudo o que existe, deixando-me apenas com as sensações de tudo o que impõe? Será ele uma parte de mim? A maior parte, a menor, a totalidade? Existe para além de mim? Ou será ele o todo e eu uma porção?
Muitas perguntas, poucas respostas.

29 de agosto de 2009

After Party

Uma simples questão, para a qual até já se sabe a resposta, pode fazer tanta diferença.... Bem, não vou expor, vou opinar. Não me apetece dormir e, à falta de melhor, escrevo idiotices que ninguém vai ler. Consideremos isto o rescaldo de um determinado evento que acabou à pouco.

Acho que um dos maiores enganos que pode haver, é acreditar nas coisas porque queremos que elas elas sejam reais, não porque as tenhamos visto, ou porque realmente o são. Suponho que a necessidade leve as pessoas ao engano, a crerem em algo que não é, que não pode ser, substanciado.
Mas será que a nossa desconfiança justifica o engano alheio como acreditava La Rochefoucauld? Dificilmente.
Elevar alguém, ainda que esse alguém queira ser elevado, sem crença, com palavras que o quotidiano não apoia, é criar uma ténue escada de fumo que, invariavelmente, ruirá com os gestos que provam a falácia das palavras.
Descartes já o tinha percebido, a liberdade da indiferença é o grau mais baixo da liberdade...
E quem tratamos com indiferença? Aqueles de quem não esperámos nada e nada receámos. Os que têm o seu lugar em dúvida, os pesos que fazemos crer leves para depois não os carregar, deixando-os ancorados a uma verdade que já julgavam falsa.

Eu que tenho o enorme defeito de tentar justificar tudo e desculpar todos, tenho sérias dificuldades em compreender, mais ainda em aceitar, os extremos a que levámos a evolução de Darwin. Já não é o mais forte; é o mais forte, o mais bonito, o mais simpático, o mais divertido, o melhor contador de histórias e por aí fora. Escolhemos o melhor do melhor, escurraçando o pior, e deixámos o intermédio sem lugar, a mais, a chiclete no fundo do sapato, aquele que de vez em quando tem uma migalha pela qual devia estar grato. Não vejo gratidão possível.

Quem se refugia na solidão, fá-lo por cansaço e desistência de provas do mundo, os nulos que às vezes ornamentam a magnificência dos grandes, quando lhe é dada a honra de o fazer, optam por recolher porque, na realidade factual do mundano, não são queridos à luz do dia. São um embaraço. Se calhar é preferível ser-se só...

Do sofrimento às vezes resulta bondade, mas esta é um horror ainda pior que o primeiro. Cansamo-nos de lutar, temos medo de sofrer e acabámos por nos reconciliar com as próprias mentiras que causaram o sofrimento original. Porquê? Porque queremos melhorar a nossa situação. Mais nada.

"Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças, pois, quando tentamos transformar a nossa miserável existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras recíprocas."
Schopenhauer

23 de agosto de 2009

Solidão

Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo... Isto é carência!
Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... Isto é saudade!
Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos... Isto é equilíbrio!
Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente... Isto é um princípio da natureza!
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... Isto é circunstância!
Solidão é muito mais do que isto...
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.


Poema de Fátima Irene Pinto

Não é plágio, é cultura...


"A avaliação moral teve como consequência obliterar gravemente o juízo: o valor do homem em si é depreciado e quase ignorado. Persiste uma teologia simplista: o valor de um homem é apreciado unicamente em função dos homens.
"
"A ideia do suicidio é uma grande consolação: ajuda a suportar muitas noites más."

Friedrich Nietzsche

"O maior pecado para com os nossos semelhantes, não é odiá-los mas sim tratá-los com indiferença; é a essência da desumanidade."

Bernard Shaw

19 de agosto de 2009

28 Anos


Tudo tem relevância, Newton foi o primeiro a perceber que para cada acção há uma reacção, isto não é só física, é vida. Uma porta giratória que encrava e atrasa a saída de alguém 10 segundos, 10 segundos que impediram alguém de conhecer outro alguém, alguém de ver um acidente e salvar uma vida, 10 segundos, um alguém e muitos outros que foram ou não tocados por isso, uma vida em 10 segundos ou numa palavra que ficou por dizer. Temos peso, somos responsáveis por muito que nunca o vejamos ou percebamos.

Acho que esse é parte do problema, nunca sentimos o nosso lugar de uma forma directa, o cosmos, esse todo de qual somos parte não nos põe a mão no ombro, não nos diz que vai acabar tudo bem, não fala nem sente, existe.

Alguém me disse à pouco tempo que, nos tempos que correm de crescentes formas de comunicação, a solidão se torna cada vez mais profunda e irremediável. No entanto, usando a comparabilidade social, tendo em conta que existe muita gente na mesma situação e muita mais ainda com piores desígnios, esta devia ser de certa forma aceite. Caríssima, lamento mas, não sou, nem serei nunca capaz de encontrar felicidade na miséria dos outros. É suposto eu deixar de sentir por questões de comparabilidade? Aparentemente, mas falha-me o engenho, a ginástica mental de tirar prazer de alguém que chora com fome. Não me alivia a dor, entristece-me ainda mais que tal possa acontecer. Não me sinto menos só por isso.

Sim, não sou o único mas isso só agrava o meu estado, se calhar alguém duas ou três portas abaixo está neste momento no seu blog, a escrever o que eu sinto, a sentir o que eu penso, a pensar o que eu escrevo. Mas está três portas abaixo a um mundo de distância. Inatingível, assim como eu.

Ontem fiz anos. Dei por mim a fazer horas no emprego, unicamente para não estar só. Foi uma bofetada da realidade, e uma bem dura. Inventei uma festa que não ia existir, com amigos que não tenho e alegria que não sinto. Por muito má que fosse a situação, admiti-la ainda seria pior. Prefiro estar miserável a ser coitadinho.

Escrevo isto porque não o consigo dizer, já me desabituei de falar, falta de público, falta de engenho, não sei. Estou cansado.

9 de junho de 2009

Segredos


Para evitar desilusões, não esperar nada de ninguém.
Para ser feliz, não querer saber de nada nem de ninguém, qualquer outra postura traz complicações.
Para ter paz interior, filtrar tudo e todos que a possam perturbar.
A única liberdade possível encontra-se no desprezo de tudo o que não depende de nós.
Para suportar ser assim, negá-lo e, de vez em quando, atirar uma migalha a alguém desesperado o suficiente para a aceitar.

2 de junho de 2009

Genial


'Na minha próxima vida quero vivê-la de trás para a frente. Começar
morto para despachar logo esse assunto. Depois acordar num lar de
idosos e sentir-me melhor a cada dia que passa. Ser expulso porque
estou demasiado saudável, ir receber a pensão e começar a trabalhar,
receber logo um relógio de ouro no primeiro dia. Trabalhar 40 anos até
ser novo o suficiente para gozar a reforma. Divertir-me, embebedar-me
e ser de uma forma geral promíscuo, e depois estar pronto para o
liceu. Em seguida a primária, fica-se criança e brinca-se. Não temos
responsabilidades e ficamos um bébé até nascermos. Por fim, passamos 9
meses a flutuar num spa de luxo com aquecimento central, serviço de
quartos à descrição e um quarto maior de dia para dia e depois Voila!
Acaba como um orgasmo! I rest my case.'

Woody Allen

Fast-Flood


Quando se consegue ignorar os problemas que nos rodeiam, que não os nossos, isso resulta de um complexo exercício mental ou de uma completa falta de interesse?
Terá o fast-food chegado as relações?
Entristece-me ver que, à semelhança do que fazemos no MacDonalds, preterimos a substância pela rapidez e facilidade. "A winning smile!"... Neste momento a expressão ganhou outro nível porque, não o ter implica a pena de uma solidão Dantesca, perpetuando-se até ao fim apenas para se repetir de novo.
Revelámo-nos assim tão frios e desinteressados com tudo e todos? Ou tão burros que não vemos nada sem brilho? Ou ainda tão inteligentes que damos nova interpretação à evolução de Darwin, selecção natural de todos que não reunam capacidades (falta delas) para aparecer num Reallity Show.
Seja como for, ainda me é difícil rir, contar piadas e sair, quando um outro alguém chora e eu sei das lágrimas...

30 de maio de 2009

Cansaço


Quando o cansaço é tanto que já nâo deixa dormir, quando a tristeza afoga, sufoca sem dó, quando a dor não deixa viver, näo se quer morrer, só deixar de sentir. Mais nada.
Perdemo-nos a comprar coisas na tentativa desesperada de dar sentido à vida mas, se um ipod é a razão de se acordar de manhã, então não há sentido em nada. Os caminhos que não percorremos, as noites em branco, a ansiedade, para quê? Valerá a pena?
A indiferença dos outros corta como uma faca. Prova o que mais tememos, somos insignificantes. Não valemos o trabalho de uma palavra, o desgaste de um gesto. Se temos uma vida tão vazia que precisemos de pagar a alguém para nos ouvir e fingir que se interessa, então é porque não há nada para salvar ou lutar. Só prolongar a espera de um milagre. É redundante. O fim é certo, porque não abreviá-lo?
Choca-me ainda, ate esta data, como se pode ver mais preocupação, ainda que falsa, na cara de uma estranha do que na cara de a quem abrimos a alma. Suponho que o sentir seja um constrangimento a evitar. A intimidade traz muitas complicações. Mais facil a conversa de circunstância ou trabalho.

27 de maio de 2009

Are you looking for an affair?

He̘llo my inquisitor !

My husِband is on a wo̒r̒k triͥp !! Do you want to f%ck me wּhile he's gone? I̢'m dis͇cr͉eet and woͭn'͟t say a wor̒d!̀! lêt's hav֘e some fun

My usern٘ame i̾s Ch֞e͈rey .

My pa̕g̜e is heِr͆e: http://ykslqwyw.gilrsslutty.ru

T͇ALK S00N!

13 de abril de 2009

Instintos


Passamos tanto tempo a tentar incorporar conceitos politicamente correctos e socialmente aceitáveis em quem somos que nos esquecemos do que somos. Animais. Não é errado querer arrancar a roupa a alguém porque um determinado cheiro nos excitou. Porque não pode ser dito? Será assim tão ofensivo para alguém ser desejado?
O ser moderno fala de tudo e de nada sendo muitas vezes profundamente só, frustrado até de tanto se recalcar.
Polimos tanto as arestas que acabamos por anular parte de nós...

25 de março de 2009

Causa e Efeito


Haverá algo pior do que reconhecer os nossos problemas, saber de onde vêm, o que nos fazem e impedem de fazer e ainda assim não os conseguir resolver?
Pode uma pessoa verdadeiramente mudar? Somos um somatório de trilhos percorridos, é causa e efeito. Como mudar quem somos? Será possível fazê-lo enquanto adulto? Resultámos do passado e este é estanque. Como mudar o efeito quando não se pode apagar a causa? Distorcendo ou bloqueando a vida que nos criou como ser? Isso normalmente não tem bom resultado...

23 de março de 2009

Amizade


Apesar de toda a crueldade existente face aos animais de estimação, curiosamente, acho que ainda conseguimos ser piores com os nossos próprios amigos.
A partir do momento que assumimos amar/gostar de um cão, gato, periquito, o que for, é incondicionalmente, mesmo quando roí a mobília ou destroi os nossos dvd's favoritos.
Já com os amigos, gostámos e cuidamos enquanto está tudo tudo bem, quando não é preciso cuidar, e gostar vem facilmente pela companhia aprazível que o outro oferece, mas a partir do momento em que se começa a "roer" a pachorra, se está mais em baixo ou necessitado, aí afastámo-nos imediatamente. É fácil, dizemos a nós próprios que é muito complicado, comentámos com os amigos que é cansativo falar com aquele problemático alguém, que nos puxa para baixo e não estamos para isso.
Depois torna-se mais fácil nem perguntar nada, fingir que está tudo bem e reduzir a amizade a um contacto social, um mero conhecimento. É simples, não estamos para isso.
E aceitámos isto como normal...
Será que temos todos vidas tão más que precisámos de nos rodear de alegria, ainda que falsa, mesmo que para isso tenhamos de empurrar quem nos quer, quem queremos ou quisemos, para um canto de forma a por cor na nossa vida?
A mim parece-me egoísmo e cobardia mas, eu devo ser meio idiota.

9 de fevereiro de 2009

Desilusão

Quando iremos perceber o peso das nossas acções? Quando tomaremos consciência de que tudo o que dizemos e fazemos, simples e irrelevante que nos pareça, tem um reacção algures em alguém? Que esse alguém pode sentir? Que aquela simples piada de mau gosto pode desmoronar um universo precariamente equilibrado.
Vestimos a insensibilidade com a capa de um sorriso.
Falamos com pessoas que nunca vimos a 500 Km de distância enquanto o vizinho de cima se suicida porque não aguenta mais a solidão. Romantizamos personagens que não passam de brilhos no ecrã enquanto fugimos de pessoas porque têm três dimensões, são mais complexas e exigentes. Se calhar é por medo que o fazemos... Não sei.
Sei sim que os silêncios podem ser ensurdecedores, que as palavras não ditas são bem mais acutilantes do que as proferidas porque demonstram uma distância indiferente de quem se cala. Construimos castelos de ilusões nas muralhas do silêncio, depois cai a esperança com uma palavra.
Diz o poeta que o sonho comanda a vida, bem, a vida é feita de momentos e no momento em que se dissipam as ilusões, naquela inóqua palavra de sumptuosas repercussões, no gesto que nos trai, quando a mão vira e o jogo se mostra, aí o poeta está errado. Não é a vida que ele comanda, é o cair do crepúsculo. A futilidade de tentar viver o que queremos e não o que temos.
"Feliz do homem que não espera nada, pois nunca terá desilusões." Alexander Pope

22 de janeiro de 2009

Pavlov


Receámos de tal forma o desgosto que esquecemos o prazer de satisfazer desejos.
Sendo este proporcional ao possível desgosto, o simbiótico receio eleva-se, paralisando os movimentos. Quando o cumulativo de experiências faz o instinto entrar,
dificilmente o racional ganha ao emotivo, deixando-nos a reagir em vez de agir.
É Pavlov, mal se vê o objecto desejado já a incomodidade se está a instalar. É uma defesa adquirida ao longo de anos, daí a crescente dificuldade em conhecer pessoas, amigos ou não, com o passar do tempo, a cada passo cai mais um pouco da inocência que nos permite confiar.
E assim nasce o conformismo...




21 de janeiro de 2009

Casual Friday


Devíamos ter um dia por semana, à semelhança do "casual friday" adoptado pelos Americanos, em que não conseguíssemos dizer mentiras, usar subterfúgios ou evitar perguntas.
No espaço de um mês adiantava-se a vida em dez anos...


3 de janeiro de 2009

A exploração da Caridade

Gosto de pensar. É algo que não consigo deixar de fazer. Uma das coisas que me parece tão simples que chega a ser infantil, é o exercício mental de tentar "vestir a pele" de outra pessoa. Isso recentemente levou-me a pensar na caridade.
O acto de ajudar alguém devia ter como objectivo a pessoa a ser ajudada e não o facilitador da ajuda, ou seja, o acto devia ser fim em si mesmo.
Imaginemos alguém sem capacidade financeira para se alimentar, a si e aos seus, imaginemos a desesperante frustração de não o poder fazer, imaginemos agora a evisceração do orgulho em ter de aceitar, muitas vezes até pedir, algo tão básico como um pão. Horrendo não?
Seguindo o exercício, vamos supor que a caridosa alma que estende a sua mao o faz publicamente, como sempre o faz senão não era vista, que nos pergunta quatro vezes se estámos contentes, se vai dar jeito, se não é uma boa ajuda, etc.
Quem recebe tem de agradecer, baixar os olhos, pedir desculpa por estar vivo e agradecer o facto de haver alguém tão superior em moral e bondade que até lhe ofereceu um pão ou outro objecto que possivelmente teria o lixo como destino de outra forma. Já não é mau que chegue não ter o que comer ou o que vestir? Ainda é necessária esta humilhação?
Infelizmente quando alguém estende a mão é para ver o próprio braço. As pessoas quando ofereçem ajuda, fazem-no para se sentirem bem com elas próprias, para mostrarem aos seus pares sociais os seus excelentes corações. Passarem por cima da réstia de humanidade, orgulho e auto-estima, de quem já tem pouca para aguentar um espelho, nem lhes passa pela cabeça.
Já nem falo dos abutres sensacionalistas de alguns programas matutinos de televisão que exploram a miséria dos outros por audiências, reduzem a condição humana de quem pouca escolha tem além de se sujeitar à humilhação pública para sobreviver com alguma capacidade de recursos básicos. Esses abutres ainda são idolatrados pelo povinho que nem sequer tenta imaginar o que será ir a uma televisão nacional em directo e fazer de animal de circo para regozijo de um "coliseu" nacional a clamar entretenimento. Só para poder comer!
A ajuda não é para ser vista nem agradecida. Se o for perde a sua nobreza por completo.
Será que ninguém pensa na indignidade sentida por quem precisa de ajuda em coisas tão básicas que têm de lhes ser devidas pelo mero facto de existirem? De serem Humanos? Fugimos assim tanto dos básicos princípios humanos e ousámos usar o sofrimento como som de fundo para o pequeno-almoço? Ficámos tão absorvidos na mesquinhez das nossas vidinhas básicas que já utilizámos a desgraça alheia como escadaria para uma falsa ascensão moral. Como podemos ser humanos quando ignorámos o que nos humaniza?
Nada mudou desde César. Entretenham o povo. Hajam jogos...
Salazar tinha os três F's, Fado, Futebol e Fátima, trocámos o fado pela TVI mas o conceito mantem-se.
Minha gente, precisar de uma esmola já é mau que chegue, ter de a agradecer publicamente para elevar o ego de alguém é desumano.
Abençoado com a maldição de pensar não consigo deixar de me sentir enojado com isto, envergonhado pela espécie a que pertenço.

2 de janeiro de 2009

In Vino Veritas

Irrita-me este novo conceito social. Enerva-me quando alguém toma uma decisão ou opina sobre algo com base em nada e se desculpa com a sociedade. É o pior tipo de cobardia intelectual que pode haver. "Por mim tudo bem, a sociedade é que não aceita..." Balelas!
Mas afinal o que é essa coisa? Esse bicho anónimo que já substitui o livre arbitrio, a capacidade de tomar decisões ponderadas, essa consciência colectiva que reflecte as nossas hipócritas cobardias. Tirando o "eu" da equação tira-se a responsabilidade da posição tomada. Assim é fácil e limpo. Pena é ser também cobarde, estúpido e apático.
Não conheço ninguém que seja abertamente contra a homossexualidade, conheço montes de gente que frequentam prostitutas, outros tantos que não suportam toxicodependentes, no entanto, a opinião pública sobre a homossexualidade é bem explícita, assim como sobre a prostituição, são ambos males a erradicar, pecados até. Os toxicodependentes recebem apoios e ajuda, nada contra, só quero focar a divergência entre as opiniões reais e fabricadas.
Muitas vezes dou por mim a sentir-me como a personagem principal das "Vinhas da Ira" de John Steinbeck "Digam-me quem me tirou as terras para que lhe possa partir a cara!". Mostrem-me esse animal mitológico chamado "sociedade" para lhe poder chamar idiota.
Recuso-me a ter as minhas opiniões impostas por um conceito geral. "Digam-me quem me tirou as terras...".
As máscaras que usámos para ir ao encontro do padrão socialmente aceitável são rídiculas, até porque, esse padrão, muitas e grosseiras vezes está errado. Porque hei-de abdicar do meu individualismo em nome de um conceito falhado? A sociedade está hipócrita, moralmente corrupta e sexualmente reprimida. Agora pergunto, vou-me eu fundir com algo que não concordo, uma sociedade dez anos atrasada face à realidade, e no processo apagar-me como ser individual? "Digam-me a quem partir a cara."
Lanço aqui o apelo de emborrachar o país inteiro, porque bêbadas as pessoas tendem a ser honestas, e encontrar aquelas que ninguém admite ser, os tais dotados de uma relação simbiótica com o social e parasitária com o mundo. E depois fuzilá-los...
Ou no mínimo forçá-los a passar sem pornografia, alcool, tabaco, mulheres, noitadas e demais farras. Ter sexo com a esposa, e só a esposa, na posição de missionário com a luz apagada e apenas quando houver intento de procriar. Ir à igreja todos os domingos e passar um dia inteiro com a Teresa Guilherme e a Júlia Pinheiro, esses fantásticos ídolos sociais representativos dos nossos dias.
Assim fuzilavam-se eles e nós tinhamos as mãos limpas.
Só uma ideia... Ou então "digam-me a quem partir a cara!".

18 de dezembro de 2008

Momentos


Sempre acreditei que são os pequenos momentos que fazem e definem as pessoas.
Vivemos com a certeza da nossa morte e a incerteza da nossa vida. Temos a noção que a maior parte dos dias passam sem sentido, maior ou menor, passam porque o sol nasce e depois se poê, nós como ele, não sabemos fazer outra coisa.
Os casais discutem até ao ódio. Oblívios a todos os pequenos pormenores que desgastam qualquer harmonia, pequenos demais para serem falados, como a pasta de dentes espremida no sítio errado ou o gel de banho aberto na banheira. Esquecidos do pavor de estarem sós, saciados da fome que em tempos os esganou, deixam passar esses pequenos nadas que o tempo torna tudo.
Os solteiros perdem um olhar, um riso, aquela pequena fracção de segundo que lhes podia ter mudado a vida e o próprio ser por receio, vergonha ou imposições sociais. E o momento passa. A incomodidade dos outros tende a ter efeito directo na nossa, ainda que por vias travessas. A harmonia social, familiar ou de um local de trabalho, já de si tenuamente equilibrada, pode-se desmoronar como um castelo de cartas à mais leve brisa. Como tal não se arrisca o momento em detrimento de um futuro.
Os grandes gestos e épicos momentos são produto da altura e do local, quase nunca da pessoa.
Os do individuo são bem mais dificeis, menores em tamanho mas muito maiores em esforço e valor. Um convite para jantar pode ser muito mais complicado do que tirar uma criança de um prédio em chamas. O risco é menos duradouro.
"A vida é o que nos acontece enquanto estamos ocupados a fazer planos." Não me recordo quem estou a citar mas não podia concordar mais com ele.

12 de dezembro de 2008

Caixa de Pandora




Não sei porquê, até sei mas não digo, hoje lembrei-me do Fernando Pessoa, e a primeira coisa que me veio à cabeça (segunda que a primeira foi a cirrose) foi como seria bom estar horas numa esplanada a escrever.
Existe algo de tranquilizante numa caneta a desenhar simbolos que são gritos ou caricias, na folha vazia que se vai enchendo de experiências, cheiros e sensações. Uma catarse inconsciente.
Esquecer a vida e inventar mil novas, deixar a dor escorrer para lindas folhas grossas que absorvem a sujidade da alma, deixar fluir na tinta o que a complexidade das mil pessoas que sou não deixa transparecer na simplicidade da uma pessoa que posso ser, dar vida aos sonhos e ar aos pesadelos.
Talvez por isso algumas pessoas nunca se encontrem verdadeiramente, por serem mais e não saberem ser menos.
Ocupar a solidão do individuo não é fácil mas, quando este engloba uma multitude de realidades, tantas quantos os diferentes pontos de vista permitem, quando há mil frases para serem ditas, mil ideias que não convergem (nem podem converger porque não pertencem ao mesmo) , então este isolamento do ser é extrapolado ao seu expoente máximo.
O que resulta disto é a máscara de uma figura plana, moldada pelo peso dos seres que o individuo tem de carregar e não consegue. Uma máscara de ferro que não pode ser tirada sob pena de expor o que atrás existe, o "eu", o "ser" que não pode ser, a hidra humana com ideias em vez de cabeças.
A caixa de pandora que não deve ser aberta.

20 de novembro de 2008

Um bolo para pensar


Hoje tive a fantástica oportunidade de ter sido chamado idiota por ter oferecido um bolo a uma criança que chormingava comida. Idiota porque nunca devia ter feito aquilo, de acordo com a pessoa que, a rir, me achou inocente por ter caido na "esparrela". Devia ter dado pão e mais nada.
Agora ouso eu dizer, pão, e seco!!! Sim, porque quem não tem capacidade financeira para se sustentar com dez anos de idade e tem a infelicidade de ser abusado por quem mais o devia proteger não merece mais do que isso!
Imaginem a lata, bolos...
Entendo que é impossível curar todos os males ou ajudar todos os que precisam mas, pensemos no seguinte:
Eu e o leitor (está a ver isto na net não está?), sentimos necessidade de ir ao cinema, tomar um café, comer crepes de chocolate até enjoar, e muitas outras coisas para fugir um pouco das nossas vidas.
Eu que saio da minha casa, entro no meu carro, venho para o meu trabalho, como e bebo conforme preciso e/ou quero, volto para casa abrigado, quente e confortável, onde vou jantar na minha cozinha, ver o meu LCD, sentado no meu sofá... And so on and so on. É cansativo por os possessivos a negrito.
Se nós que tanto temos (comparativamente) precisámos de um bolo, um cinema, um café, o que for, não precisará de mais que um pão seco quem nada tem? Será justo? Haverá o direito de dizer: "pão, que se ele tiver fome come"? Não necessitará alguém com uma existência triste, degradante pelos mais básicos padrões do que consideramos humano, direito a um bolo?
Ao negar esse bolo, esse brinquedo, essa bola, essa tábua de sobrevivência que pode bem ser o apogeu de sabe lá deus quanto tempo de uma imensidão de nada, estámos a trair a própria base que nos humaniza.
Custa-me sentir que possamos ser tão frios.
São atitudes que surgem através da insensibilidade do coração ou da letargia da cabeça, não pensámos ou não sentimos. Nenhum dos dois me satisfaz.
Podiamos ser mais do que somos.

18 de novembro de 2008

Amanhecer


Engraçado como nós deixamos de conseguir dizer certas coisas com o tempo.
Acho que inerente ao processo de crescimento, vem um de afastamento em relação a tudo o que é incondicional.
À medida que a sociedade nos vai dizendo para sermos homens, diz-nos também que temos de ser independentes, muito antes do o querermos ser na realidade, homens ou independentes. Vamos então criando uma ponte com alicerces muito fracos em relação àqueles que nos permitiram crescer. Não o queremos fazer mas não o conseguimos evitar.
Porque nos é tão difícil dizer a alguém que durante anos foi a concretização de todas as alegrias, a protectora de todos os males, a rocha que não mexia e a água que embalava, o refúgio, a causa de uma indescritível alegria e realização, amo-te? Porquê?
Crescemos e perdemos o direito a essa paz, crescemos e negámos o reconhecimento de termos sido tudo quando ainda não éramos nada a quem mais o merece saber.
A ponte cresce e com ela os inexoráveis traços do tempo marcam linhas desconexas que podem nunca ser ligadas.
Lado a lado com a impossibilidade de nos sentir-mos seguros e crianças, no fundo o que qualquer adulto quer, vem a incapacidade de admitir que já o fomos e a quem o devemos.
Não está correcto.
Quero ter filhos, espero passar horas a vê-los dormir, incapaz de lhes falar porque qualquer palavra é insuficiente para o momento e, qualquer um a pode proferir, não tocar porque nenhum toque transmite a realidade, é só um toque, ser o momento maior do que eu, do que tudo, absorto numa respiração que não é minha, dar-lhes nesse momento, tudo o que recebi.
Obrigado Mãe.